Vindimas, toda a verdade!

Vindimas, toda a verdade!

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Avô: “Miguel, vai ali buscar aquelas galochas e traz-jas jaqui p’ra carrinha!” – e o miúdo começa às voltas…

Avô: “Acolá-lém, não as vês?!”

Eu: “Pai, o miúdo não sabe o que são galochas! Miguel, traz as botas grandes que o tio está a usar para pisar as uvas no contentor…”

(…)

Avô: “Miguel, pega na cesta da água e do vinho e põe-na ali à sombra daquela amendoeira!”.

Neto:????

Eu: “Pai, o Miguel não sabe qual dessas árvores é a amendoeira!”.

E vocês? Sabem distinguir uma amendoeira de um pessegueiro ou de uma ameixeira quando já estão quase despidos?! 85% não sabe! Pois, o meu piqueno também não…

(…)

Avô: “Miguel, leva este cesto para o cabo do último rego da vinha”.

Ti-nó-ni, ti-nó-ni e lá vou eu, a bombeira-tradutora-bilingue-geracional! Pior que “cabo" e “rego da vinha” é mesmo a parte do “último”: o miúdo desconhece a existência “marcos” a delimitar “estremas” nos terrenos. Isto deve ser “geografia do minifúndio”, vou ter de lhe ensinar a interpretar aqueles pinocos de pedra.

Avô: “Sai daí, que essa parte da vinha não é nossa!”

Caros amigos e seguidores, estou com o corpo moídinho, nem sei que parte me dói mais, se as articulações ou o “fígado"!

Fui trabalhar às 8:15.

– Andaste nas vindimas no fim-de-semana! Que espectáculo! Vindimar é uma alegria! Isso dá saúde! Assim é que é vida!

Algo em mim começa a destilar fel, tal a vontade de vociferar uns palavrões e desejar que esta malta vá toda vindimar, para provar deste mel. Refiro “vindimar” do verbo “merecer o mata-bicho e o almoço” que, na minha terra, quem não trabalha-trabalha não come!

Até aqui, este meu relato é só uma ligeira introdução. Vou passar a explicar o que é MESMO uma vindima, que acho que nunca ninguém escreveu sobre isso em modos de verdade.

Éramos Meninos da Cidade, íamos para a aldeia ao fim-de-semana e, no início, era mesmo uma alegria. “Era”.

Nas vindimas, as crianças ou apanhavam os bagos do chão ou pisavam uvas (venha o diabo e escolha!). O meu pai mandava-nos, principalmente, pisar as uvas no contentor. Ataviava-nos com um par de galochas pesadas (herdado de um primo, sei lá!) alguns tamanhos acima do nosso pé e lá íamos nós, contentes, cumprir a missão.

No início, movia-nos o ímpeto de beber o vinho doce. Muníamo-nos de uma palhinha de trigo e pisávamos as uvas ao canto do contentor, para ser mais fácil fazer uma pocinha… Mas, rais’parta! Quando conseguíamos sorver as primeiras gotículas de mosto, lá vinha o homem da carroça com um carregamento de cestos! Imaginem só para onde eram lançadas as primeiras uvas?! Isso: para o recanto que já tínhamos conquistado! Ao fim de alguns intentos, éramos tomados pelo desânimo e esquecíamos a palhinha.

O relógio das crianças é diferente do nosso... E, não bastasse o tédio, juntava-se a falta de reconhecimento. Pisar uvas é coisa para malta pesada. Os paus-de-virar-tripa não pisam, apenas acamam as uvas. Não vale a pena insistir! Ainda hoje rogo pragas àquelas galochas-não-sei-de-quem.

Entretanto, começámos a “botar corpo”, coisa que não se mede nem em altura, nem largura: mede-se pela idade. É quando chegamos “àquela idade” em que os nossos pais, com a mesma idade, já faziam tudo e mais alguma coisa e nós, nessa idade, também temos a obrigação de o fazer. Registe-se que, “nessa idade”, eu já sabia distinguir amendoeiras, sabia qual o último rego da vinha e, lamentavelmente, conhecia as malfadadas galochas... Eis, então, que subo de posto, à categoria de vindimadeira.

Apesar dos pediatras nos obrigarem a endrominar colheres e colheres de Óleo de Fígado de Bacalhau, que hoje sei que era para combater o raquitismo e outras maleitas da canalha enfezada, tanto eu como o meu irmão só “botámos corpo” lá para o 9.º ano de escolaridade. Por isso, nos meus primeiros anos de vindimadeira ainda me desculpavam algumas façanhas. Além do meu balde ser mais pequeno, deixavam-me saltitar de videira em videira e escolher aquelas mais fraquinhas, que só tinham 3-4 uvas. Mas esta sorte durou pouco...

Em Trás-os-Montes as vinhas são baixas. Temos terrenos planos e outros em ladeiras. Ainda hoje prefiro os segundos, pois “a plano” temos de vergar mais as costas. Os dias são grandes e, principalmente da parte da tarde, quando aparece uma cepa mais carregada, começa a apetecer sentar o traseiro no chão. As costas agradecem, mas e depois?! Oh levanta-te!

Certa vez, estava escondida debaixo de uma cepa e, com as tesouras de vindimar, recortava uma folha de videira de forma exímia. Acredito que, nos dias de hoje, qualquer professor(a) de Educação Tecnológica iria aplaudir os meus dotes de motricidade fina. Só que não: eis que uma mão aparece do nada e… levo um valente tabefe do meu pai! O único que levei dele em toda a minha vida. Posto isto, assim se arruma com uma promissora carreira de artista de origami (ou coiso!) de renome internacional e, num ápice, se ascende a vindimadeira profissional!

Nessa época, os meus pais começaram a acender uma vela à Nossa Senhora do Poupa-Aqui-e-Ali e começaram a “chamar menos pessoas para andar à jeira”. Para mal dos meus pecados, ou talvez por não ser católica e o raio da santa não gostar de mim, ao fim de todos estes anos ainda me calha este frete! Já ao meu assistente, pela dificuldade na comunicação geracional e porque os avós são é bons para estragar netos, lá se vai safando desta sina.

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